quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

ZELADOR ANDARILHO NÃO RETORNA (JANITOR GOOD WALKER DON'T RETURN)


O verão no último dia do ano de 2004 mareja mudo na cidade dos textos repartida no universo falado do mundo. O sol dublado se indispõe com as janelas fechadas do apartamento. Ouço o barulho legendado do caminhão de lixo. Comprovo, na escuridão da poltrona lustrada, os raios dos equívocos sonoros em dolby system. O som se origina é do caminhão preto-e-branco de mudanças no momento da partida.
Luzes e movimentos quando sinto histórias preencherem o espaço da carroceria: caixas eastmancolor de papelão e madeira, jornais e geladeiras de isopor vitrificado, sacos de plástico gordos e perfumados, chaves, revistas velhas de mulheres peladas, tamancos e fortunas, brinquedos moídos em cinemascope, a bicicleta humana em technirama, pastilhas e comprimidos surrounds, antitosses, antigripais, móveis, bares e almoços...
O trabalho e o ócio do brilho reparte nas fisionomias dualidades precisas. Olho a cidade 245 dias no espelho 70 MM do retrovisor cinerama. As espiadas me fazem real desejar a estrada e zelador escrever as andanças.
Veraneio-me em panavision. Respiro fundo em 3D. Lavo o rosto do norte ao sul, leste ao oeste do país tropical. Faço da rua e viaduto, solidão e afeto, poesia e caos os elementos do roteiro das direções.
O percurso, projeção digital, é cinema.

FIM (THE END)

CONHEÇA WWW.ZELADORDOLAGO.BLOGSPOT.COM
WWW.PLANETALIBORIRIM.BLOGSPOT.COM
E SE TORNE DO LAGO UM(A) SEGUIDOR(A)
E DE LIBORIRIM UM(A) ABDUZIDO(A).

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

NOSSAS NOITES MAIS FELIZES


Lunático permaneço fechado em cada minuto das horas anatômicas de um dia afastado dos outros dias mais remotos que o dia de hoje.
Com tantas chuvas cercam-nos fechaduras e dissecações manchadas de lodo. Amanheço, vejo-me no espelho, cismativo com os dias da cidade dos textos.
Afasto do caminho a hora comercial e o almoço em alto-mar na rede dos pescadores entardecidos. Sacio-me no esquecimento, nas distantes lembranças dos meus, dos seus, dos nossos dias mais ensolarados e felizes.
Com tantas chuvas cercam-nos em segundos as semanas, meses, anos resignados com as memórias falhas, correntezas dos dias.
Meu rosto é palavra, calendário, folhinha e reflexo virado ao avesso na inquieta liberdade das esperas lunares.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

COMPACTOS PASSOS PRESENTES


Presente de Natal os sapatos ficaram apertados.
Eu e Ella de mãos dadas entramos na sapataria para trocar os calçados.
A cidade dos textos ardida de calor e movimento transita nos olhos dos significados felizes. Ficamos a olhar, a escolher sapatos de números maiores.
O alvoroço dos automóveis espreme as ruas compridas.
Limões espremidos na gota d'água. Balcão de lanchonete, e gelo na limonada para refrescar as andanças nos corpos percorridas.
Ella nos meus olhos. Nas mesmas ardências vasculhamos óticas a admirar os óculos de sol. Experimento o outro presente de Ella. Escolho a armação e as lentes originais, estilo Matrix. Sem aperturas, gostei.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

PARALELAS


A clareza do aniversário de Kella e a missa de sétimo dia do Virgílio, o Velho do Rio, acontecem hoje, no idêntico dia, na noite exatamente igual em que informações objetivas e subjetivas, procedentes das diferenças entre o sol e a lua, meus interesses por paralelas, vida com assuntos, escolhida e recolhida em obras de olhares, mergulhos de corações.
Kella sorri quando lhe presenteio com Memórias, Crônicas e Declarações de Amor, DVD, Marisa Monte.
Kella conheceu, desde tenra época da vida, o Virgílio. Talvez em um dia se beijaram. Quem sabe em determinado átomo da energia dos movimentos não conseguiram ambos, no mesmo instante em que se olharam, ter a mesma idade?
O Virgílio, desde quando o rio era um sonho, conheceu Kella. Com certeza em uma noite se falaram. Quem sabe em definidos ou indefinidos mergulhos nos caminhos da afetividade não desbravaram um e outro o mesmo profundo, a mesma cidade e exuberância?
A clareza escreve o nascimento. A vida publica, depois de estabelecer começos, conteúdos e términos, a morte, a passagem, o outro presente, o inesquecível passado, o futuro perseverante.

domingo, 27 de dezembro de 2009

COROAS


Acontece o pulo de modo estranho, domingo.
Atravesso a avenida que a luz do semáforo se avermelha para os carros.
A minha sorte é caminhar. As predestinações da vida são imprevisíveis aos caprichos das rosas, orquídeas, tulipas, copos-de-leite, begônias...
Meus passos se paralelizam com as rodas e os farois dos automóveis.
As flores e os frutos dos araçazeiros derretem os portões do ar.
No viaduto dos vôos longos enxergo o silêncio dos passos, sinto as cordas das asas em fios e cruzes de altas tensões.
O salto vira pétala lilás grudada nos faroletes da cidade dos textos.

sábado, 26 de dezembro de 2009

ALMOÇO DAS IMAGENS ESFOMEADAS


Duplo ritmo faz parte do rosto que vislumbro diante dos azulejos de usos encardidos. O banheiro do restaurante Salada Record não possui espelhos. Do lado de fora, acima da pia, no espaço do lavatório, há uma vasilha de vidro contendo sabonete líquido.
Detrás do balcão, cartazes fixados na parede à moda dos salmos litúrgicos fornecem em letras vermelhas e azuis os nomes das iguarias e acompanhamentos que são preparados para o consumo dos trabalhadores em geral e transeuntes quando a hora da fome aperta.



Hoje almoço mais uma vez no Salada Record. Estou no hall do cine Marabá, sentado em uma poltrona, depois de me posicionar diante de cada cartaz dos filmes que virão a seguir, aguarde, breve. Saboreio chocolate enquanto o filme, sessão das 15h45, não começa.
Aproveito metade do tempo que passa rápido e vou ao banheiro do cinema. No restaurante lavo as mãos. Sento-me à mesa de onde posso ver com clareza a televisão ligada em um filme de outra sessão. O garçom se aproxima:
- Filé de pescada à dorê, legumes?
- Hoje vou querer mudar a película. Traz o salmão grelhado acompanhado de arroz e brocólis à alho e óleo. Estou de olho nesse peixe não é de hoje.

Quando termino o almoço o gelo derretido fornece ao copo a umidade lírica da outra metade do tempo que passa rápido. Meu paladar, audaz e ainda réfem dos desejos da sobremesa, estende-se ao chocolateiro ao lado do cinema.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

ADESIVOS


O mundo passa devagar e veloz quando fixo a cidade dos textos nos olhares úmidos e transparentes dos vidros das janelas do apartamento.
Janelas por onde vejo Papai Noel abrir o restaurante da esquina em largo gesto de chamar sorrisos.
Alcanço os pratos, os copos, os guardanapos, os pires,os talheres nas gavetas e as xícaras nas prateleiras enquanto aguardo os noivados das nuvens inconstantes com as chuvas.
Atento à lentidão e à rapidez dos últimos dias arrancados do mundo que gira nos pedidos de ajuda, comida e afeto.
Tudo se vê, se sente, quando os vidros das janelas se deixam transparecer no andar voante da cidade.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

LUZ & SOM NA CEIA DE NATAL


A meia-noite se aproxima do espetáculo pirotécnico.
Sozinho no apartamento, misturado à cidade, delicio-me a assistir A Sede do Peixe, DVD, Milton Nascimento.
Entre as canções...atravessa a noite, a madrugada...o poema de Adélia Prado Explicação de Poesia Sem Ninguém Pedir.
Na cozinha uma pizza de tomatinho-cereja pronta para assar. O sentimento da minha ceia de Natal não me resume em silêncio. A voz e a música do cantor e compositor espalham os presentes na sala do presépio mineiro, universal, poético.
Afluídos de vários locais a luz & som da celebração clareiam o céu. Da janela do...trem-de-ferro...sinto os magos surgirem dos oceanos e das nuvens. Sobre os dromedários viajam até a manjedoura.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

DOIDICE ENGANCHADA


Aceno suado com a barriga roncante. O ônibus vitaminado para. Coloco a mochila no peito. Adentro-me ao veículo coletivo em busca do itinerário que me leve, justaposto, às ruas das lâmpadas e às luzes do almoço.
Enquanto o ônibus percorre a pista, e a tarde iniciante procria soluços, vou aos olhos de uma morena clara, passageira de cabelos caracolados.
O clima natalino faz pessoas sorrirem fora e dentro do ônibus. Durante o trajeto a fome afinca sinais agudos na barriga. Em outros momentos tento esquecer o vazio, o sentimento virado corriqueira inutilidade que abrange o país.
- Que doidice é aquela que vejo no céu da calçada da avenida Rudge?
Assim vou de ônibus até que o ponto no qual descerei se aproxima. Coincidência a morena clara descerá, percebo, no mesmo ponto. Ela passa a catraca. Na porta de saída fico detrás da moça caracolada. Tão próximo...
Quando saimos do ônibus vou à esquerda. Ela à direita. Mas como seus cabelos imensos ficaram presos ao zíper da minha mochila, ela retorna aos meus olhos feito uma elástica e deliciosa bumeranga.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

VELHO DO RIO


Certas manhãs nascem tristes no íntimo mais íntimo da pessoa.
Logo depois que o sol nasce, antes das pernas me levarem aos textos, quando o azul da Prússia ainda é respingos no azul Celeste, um dos meus lápis de cor cai, em devaneios, dentro do copo com leite.
O leite continua branco. O lápis a boiar não se derrete como uma nave de corpo efervescente. Um dentro do outro a viverem: o leite e o copo, o lápis e a cor.
Sinto tristeza que se expande manhã, tarde e se comprova à hora em que o telefone toca. Atendo-o a suspeitar da chegada de notícia ruim. A voz do outro lado é trêmula, chorosa. Comunica-me que o Virgílio, meu querido Velho do Rio, acabara de falecer.
Da mesma cor do lápis que caíra no copo com leite o dia se faz mais triste, cinza. Conheci Virgílio sob a lua ao lado esquerdo da rodoviária de Mairiporã(SP) e ao lado direito do matagal em águas calmas. Ao centro, sentado no banco dianteiro de uma caminhonete cabine dupla, usando chapéu de feltro, cabelos brancos, vi pela primeira vez o pai de Josew.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

ÊXODOS MOMENTÂNEOS


Vazios e recônditos locais da cidade dos textos recriam em algum final de semana prolongado o silêncio em ruas distantes do mar.
Afastados estão os barulhos dos motores, buzinas e freios. A velocidade do pensamento mistura-se ao céu e à cruz do divino. Baratas e ratos libertos das repugnâncias humanas, circulam infalíveis nos oratórios, cadafalsos, becos, esquinas, vielas e esgotos a céu aberto, a inferno fechado.
Aos homens que estão fora da cidade resta a eternidade limitada ao retorno, aos pedágios. Às mulheres que ficaram na cidade sobra o espaço na viagem do tempo que há de vir.
O futuro se aproxima do sentimento final das ambiguidades, áridas e úmidas, dos êxodos momentâneos.

domingo, 20 de dezembro de 2009

RETORNO DA MÃE


As horas de permanência se esgotam. São as horas da partida, minutos da despedida a preencher o tempo.
Nos últimos segundos dos minutos das horas de permanência um viajante esbaforido aproxima-se do ônibus. Segundo o motorista o atrasado está levemente alcoolizado.
Domingo. Terminal Rodoviário Tietê. Horário: 9h. Destino: Belo Horizonte, Minas Gerais. O zonzo entra no ônibus. Ao ver a minha mãe na poltrona 3 lhe estende a mão. Balbucia algumas palavras. O ônibus parte.
Agora à noite fico sabedor das palavras ao falar com ela, já em Belo Horizonte, ao telefone:
- A senhora me conhece? Apareci na televisão!
No instante em que ela concordou em cumprimentar o eufórico folgazão constatei, na minha visão, que a viagem poderia ser desagradável. No momento em que o gosto da saudade começou a me preencher, o falastrão olhou para a passageira da poltrona 3.
Para a minha mãe o som das palavras do ébrio não lhe era audível o suficiente para lhe dar entendimento. Fez, então, o que faria outra pessoa tranquila, sem os pavios curtos: retribuiu-lhe o cumprimento.
Só depois que a passageira sentada na poltrona 4 aproximou-se dos ouvidos da minha mãe e repetiu-lhe o que o chamativo viajante lhe dissera, é que ela o respondeu em bom tom:
- Não conheço o senhor! E nunca te vi na televisão!!

sábado, 19 de dezembro de 2009

ALMOÇO COMBINADO


Combinamos há dois meses atrás, eu, Elle e Cíon, que o almoço de hoje seria no bar do Português.
Dos detalhes a vontade é escrever que no dia da combinação o frio envolvia a cidade dos textos. E agora o calor se estende aos trinta minutos passados do meio-dia.
Chegamos ao portuga com o estômago nos pés. Fome integral. Revelo um minutinho do cardápio: o frango está tão vermelho que pensamos ser a iguaria proveniente da culinária das tribos dos Urucuns.
Garfo e faca nas respectivas ações e conversamos assuntos lépidos, variáveis, inúteis, alegres, sarcásticos... Na nossa mesa encostada na parede, onde há uma imagem de Santa Maria do Bouro, é visível a felicidade de concretizações.
Hora de almoço voa!
Ah! E o português, dono do bar, não usa bigodes, não se chama Manoel nem Joaquim, mas fala o tempo inteiro:
- Ora pois pois...

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

MANICURE III


Na rua de outro dia de antes de ontem entro no salão de beleza. Procuro por Gotti, a manicure. Encontro-a debruçada sobre as mãos de uma cliente. Retiro o boné.
Longos, meus cabelos querem ser cortados. A preferência deseja as mãos de Cléo.
Assim acontece. Deixo-a escolher a melhor maneira do corte. Permaneço de olhos fechados no tempo da tesoura. Desde criança sinto aversão por espelhos. Os cabelos caem. Ferem, desencantam o chão. A arte de Cléo termina.
Gotti, livre, à espera de outras mãos, levanta-se sem sustos, sacode o avental polvilhado de pedacinhos de unhas e se serve de uma xícara com café.
Recoloco o boné. Digo a Cléo que algumas artes são transitórias, efêmeras. À Gotti prometo regressar em outro dia depois de amanhã com as unhas grandes, as garras afiadas.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

SENSACIONAL MESMO


A chuva retira os suores das presenças das mesmices, inalterabilidades e marasmos.
A televisão ligada em tique-taque monótono. A roupa dependurada no varal da área de serviço. Tudo corre às mil maravilhas no absorto cotidiano da moradia.
De repente se materializa a resolução de ir ao banco depositar R$ 52,00 na minha conta-poupança. Recomponho-me: bermuda de surfista, camiseta de atleta, chinelo de publicitário. O guarda-chuva deixo afastado porque na televisão o meteorologista faz previsão de seca, afirmação da lua para o sol com lágrimas em pontos isolados.
O caminhar preenche a correnteza, os ínfimos restos da enxurrada. Faço o depósito. Aproveito e pago o cartão de crédito. Saio do banco. Entro no supermercado e vou direto à gôndola das palavras.
É tudo tão sensacional!!!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

MANICURE II


Caminho de 6°C que me leva ao salão de beleza Sugoi Rooji. As unhas dos pés rasgam as botinas.
Sentada está a manicure Gotti com uma touca repleta de bolinhas de isopor.
Hidratação, tintura, corte, permanente, palavras e ações. Masculino, feminino, infantil, segunda à sábado das 8h às 20h e mãos, cabelos e pés para fora das auras ajaponadas. Unhas rolam no chão. Deleite dos dedos congelados.
Conversas com o nexo da higiene e o blá-blá-blá do ócio. Fico sabendo que fulana tem os pés feios, marcados pelo alto índice de ácido úrico no sangue. Recomendo chá bem quente de Chapéu de Couro e consulta médica.
Os meus cabelos estão grandes. Deixo a máquina 6 para outro dia. Quem sabe uma sexta-feira? Hoje a grana está curta e além do mais faz muito frio.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

AINDA UM POUCO DA ESTÁTUA


Mais uma vez escuro inicio a descida da rua rumo ao ponto de ônibus.
Meus olhos querem amanhecer antes do amanhecer. Meus pensamentos procuram o equilíbrio nos resíduos finais do luar.
Os dedos dos pés causam dó. O tênis, numeração grande, é antigo. Por que, então, os dedos dos pés doem?
Ainda réstias do escuro...
O ponto de ônibus avisto, não posso parar. A dor nos pés provoca desconforto na descida que finaliza à frente de um prédio em construção. O ônibus aparece.
Entro em todos os dias da vida.
Talvez os dedos excitem sofrimento porque os passos ainda vem para dentro do cimento.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

RESULTADO


Nessa cidade de aratu-da-pedra o que vejo com os olhos, que a terra um dia há de comer, é o almoço mal-sentido, engolido, enfiado, mastigado no prato de louça da vida fatiada.
Caminho vermelho voador. Fixo-me em busca do resultado do exame de sangue. Valores referenciais. Palavras que se repetem: plasma, glicose, colesterol, hemograma, potássio, triglicerídeos, ácido úrico, creatinina, glóbulos.
Vida, cor e vento que tentam não se repetir repetem os chamados das clínicas médicas e sentimentais. O resultado está pronto e o consultório lotado.
Leia-me mais tarde à hora do jantar.

domingo, 13 de dezembro de 2009

GUARDADO CONOSCO


Nunca deixo a cidade me ver. Ela sabe que sou uma sombra perpetradora, escurecida pela interposição de um mundo opaco, íntimo do breu.
Das ideias os meus olhares, sensações anestésicas do estar mais adiante, lá, são os movimentos que saem às ruas.
Imagino conhecer o ídolo, o super-heroi, o ícone, o vilão, o artista, o poeta zen, o romântico consagrador da poesia, o escritor idealista, o cronista da praça, o arco-e-flecha...
A frouxidão vem em meu rascunho de alvo urbano. Pouco sei mirar, conhecer, contemplar, escrever, pesquisar, esconder, atirar...
País com serenata recheada de fome o ar é amargo, miséria, bandolim atropelado, livro caro, escola reduzida, desemprego, manisfestação de melhoria salarial, violência.
Não obstante a cidade dos textos enxerga no domingo a greve entrante, e adere.

sábado, 12 de dezembro de 2009

MANICURE I


Agigantadas, ainda não são as minhas unhas garras de lobisomem. E não é mais sexta-feira na estrada. Acho o encanto e o desencanto em um salão de beleza.
A manicure, de nome Gotti, apanha as minhas mãos. Mergulha-as em lago de águas mornas. Os pedaços das unhas caem no chão manchado de lua, fios de cabelos, sol.
A outra funcionária varre o piso enquanto uma menina mostra a uma senhora as unhas do pés decoradas com desenhos animados. Chão varrido.
As minhas unhas curtas, polidas, atingem as ruas. Fadários que vagueiam...
A manicure é um pedaço de mau caminho.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

FINAL FELIZ EM DIA GELADO


Quero pegar um cineminha. Levo o Guia para o banheiro. No roteiro não encontro o filme que desejo. Vou vivendo sem memórias, sessões em 3D, dubladas, legendadas e projeções digitais. Sinto-me fora da plateia.
Entro na geladeira com o intuito de limpá-la, conservá-la. Disponho nas prateleiras, em certa ordem, os fotogramas interiores plastificados. Não deixo a esponja no ócio. Quero do compressor o melhor ângulo em relação à tela. Da válvula de expansão almejo a atenção do silêncio. Do fluido refrigerante desejo uma temperatura baixa, que absorva com suspense o calor. E na cidade dos textos sonho com um final feliz!
Entrementes não sei onde ficam as serpentinas, as cantoras, os poetas, as partes de dentro e de fora, os cinemas, os eflúvios, as luzes em velocidades de perguntas...

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

ALMOÇO COM DERROTAS E VITÓRIAS


Lenta é a minha permanência no almoço de 10 de dezembro de 2004, 21 dias para acabar o ano, Salada Record, quinta-feira Internacional dos Direitos Humanos, dos Povos Indígenas e do Palhaço, entre 13h04min28seg e 15h02min33seg.
No pedido, o peixe é a fome de tantos dias iguais a desiguais.
O peixe me diz que há verdade na mentira, injustiça ativa na praça, extermínio de canto de paz, cor de papoula na piscina. Nado sincronizado. O sol me queima de bronze, prata e ouro.
O peixe é amarelo. O morango da sobremesa é azul.
A cidade dos textos é a massa cinzenta do país. Leio essa frase em um outdoor preto e gigante igual aos tempos que se passaram durante os meus 450 anos.
Na televisão do restaurante há a música das competições olímpicas.
Na realidade veloz há cronômetro, derrota, empate, vitória.
No treinamento estabeleço-me no suor do verde.
Vemelho pego, beijo e como.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

LANCHONETE NOVA CORIOLANO


O que fazer no apartamento?
Lavo os copos e pratos sujos que ficaram na pia, amontoados, de ontem para hoje. O chão, que não está espelhento, deixo para límpá-lo depois. Pode até ficar para amanhã.
De banho tomado, noite precoce, saio.
A princípio não sei para onde ir.
Em dois minutos fixo-me à ideia de ir ao bar Valadares.
Uso um caminho diferente para chegar ao bar: passo à porta de um boteco na rua perpendicular. Um boteco imundo, perdido. Vejo alguém no balcão. Não penso três segundos. Entro.
Por uma hora, bebo cervejas sentado em tamboretes altos.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

NESSAS NOITES


Nessas noites curtas, contumazes, os sonhos fazem fronteiras com insônias e imaginações. Sob os cobertores, dobras de panos e letras, estico as pernas expulsando as dores das cãimbras.
Os músculos e os ossos buscam palavras em silêncio de cidade longínqua. Meu peito cheio de catarro desvia a garganta da pureza do som. Faço das tosses um grito inverso.
Expulso as nódoas, vislumbro as estrelas. A noite está tão neblinosa que nem as palavras mais doces, ternas, chegam aos meus sonhos com facilidade.
A demora me encurta. Quero dormir. Ir com o sono à cidade mais próxima, mesmo se as mãos se desatarem nos aclives dos versos em sussurros.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

NESSES DIAS


Nesses dias olho a cidade dos textos como um livro de pedras. Leio as letras que se misturam ao invisível até me transformar em palavras. Fonemas concretos que se agrupam velozes a outros vocábulos duros, sólidos.
Ideias de homens que se movem entre as rochas tecnológicas conviventes com as cores das infinitas matizes da natureza dos espíritos.
Converso com as janelas fechadas enquanto endureço as cordas que atam as minhas mãos. As janelas fechadas me deixam com gripe, cefaleia, mal-estar.
Esvaio-me lentamente das pedras em declives.

domingo, 6 de dezembro de 2009

CRIMEEE


Giro na noite. Descubro histórias fora do controle remoto. Agora mesmo estou nas 3 noites de crimes.
Na terceira noite, madrugada adentro, depois de beber cervejas em um botequim colado à estação Santa Cecília do metrô não me contenho, domingo, e desando a andar na pista da via elevada presidente Artur da Costa e Silva.
Quando, ao olhar a janela de um dos prédios velhos e pichados, vejo a gravata bordô se enrolar no pescoço de um homem franzino.
A força do enforcador é tanta que a sua expressão facial me faz vomitar. A vítima tomba. A luz do quarto se apaga. Em desabalada correria chego ao final do Minhocão.
Entro em um táxi. O motorista me diz que além de taxista é músico, saxofonista. Corrida paga!

sábado, 5 de dezembro de 2009

+ UMA CHACINA


Das janelas abertas e gradeadas, em qualquer lugar da cidade dos textos, a claridade do sol estampa na lua, no ar do espaço, rajadas de poeiras mortais e voantes.
Vassouras de ferro que se movimentam no retiro das graxas secas, dos sangues partidos feito leites áridos nos seios das sobrevivências.
O que se conta: os movimentos da face ainda são sequelas no serralheiro atingido por tiros na chacina. Sobrevivente, vivendo com o apoio da Anistia Internacional e do Programa de Apoio à Testemunha, o serralheiro supera aos poucos a mania de perseguição.
Busca a cura das feridas na fala, cicatrizes rasgadas, em São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires, La Paz, Santiago, Bogotá, Quito, Assunção, Lima, Montevidéu, Caracas, Georgetown, Cayenna, Suriname ou Bagdá que sangram na natureza em unidades de terapias intensivas.
Vasos sanguíneos empoeirados, nervosos, pedem socorro frente a frente com os rostos, os uniformes e os gestos violentos dos homens.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

CRIMEE


Giro na noite. Descubro histórias fora do controle remoto. Agora mesmo estou nas 3 noites de crimes.
Na segunda noite estou na rua Hugo Van Der Góes, Parque Pedroso, próximo da casa de Mr. Hayke, estudante de jornalismo no pandeiro da formatura. Levo a Mr. Hayke o trabalho final, texto devidamente revisado como havia prometido.
Pouco antes de chegar à campanhia ouço um grito de socorro e um berro de ajuda. Uma mulher de minissaia passa correndo na rua seguida por uma motocicleta com dois marmanjos armados.
1,2,3 tiros. A mulher cai. Morta. Os assassinos motoqueiros fogem. A polícia chega! As janelas das casas se abrem.
Mr. Hayke, intranquilo, chama-me para bebermos cervejas em um bar de um tal de Síul, na esquina do crime.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

RELÂMPAGOS


Feito as luzes intensas, descargas elétricas nas pontas das nuvens noturnas reparto os medos e os pânicos.
Homens frios, surgidos do nada-amanhecer, separam-me da mulher e do filho. Afundo os meus pensamentos no país de barro e lama.
Aguardo o final, o sinal da morte e o leque opaco da violência urbana. Hora em que me separo dos trabalhos e das jóias, das imagens e dos textos, dos faraós e do Nilo.
Quando os horrores acontecem nas páginas dos jornais, nos noticiários da televisão, com seres que habitam o mundo e que não habitam em nós rezamos no máximo, no mínimo.
Assim acontecido com a vida das pessoas que nascem comigo os trovões precedem os relâmpagos nos pedidos de socorro.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

CRIME


Giro com a noite. Descubro histórias fora do controle remoto. Agora mesmo estou em 3 noites de crimes.
Na primeira noite, quase à frente do bar e restaurante Boi Na Brasa, um travesti se aproxima do carro de reportagem de uma emissora de televisão. O repórter policial enfia o microfone entre os seios siliconados do traveco.
Madrugada banhada de sangue. O repórter caído de um lado e a boneca estatelada do outro.
Luz! Câmera! Ação!
O diretor acena positivo.
Corta!
Os personagens se levantam.
A cena fica excelente.
Mas para o meu espanto, testemunha ocular, os personagens se encaminham ao restaurante e bebem e comem.
Os atores, no entanto, continuam mortos no chão.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

CIDADE SONORIZADA


Em qualquer lugar da cidade dos textos os telefones tocam. Os sentimentos atendem os chamados dos dias vazios.
Sirenes das viaturas policiais assombram os sentidos da população nos atalhos dos assassinatos das palavras.
Nas lojas modernosas as televisões ficam ligadas em alto-volume.
As buzinas dos automóveis sonorizam a existência das ruas, dos congestionamentos e dos pedestres que vivem a caminhar de cabeça para baixo, cuspindo no asfalto salivas de diversos sabores: hortelã, limão, framboesa, abacaxi, laranja, maracujá, cereja, uva, guaraná.
Bolas de plásticos recheadas de oxigênio explodem nas mãos pálidas das crianças como se o ar estivesse misturado a pontiagudas partículas.
Os choros desmesurados dos recém-nascidos não tem fim nos berçários das maternidades. Das tetas das mães jorram leites gritantes.
E nos velórios e cemitérios as lágrimas das perdas berram sussurros explosivos.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

CHEIRO FALANTE DOS PEIXES


Inevitáveis os mergulhos multiplicadores dos caminhos dos desejos. Cheiro falante dos peixes que me conduz ao aquário, rio e mar.
Passo peixes no tempo quando trago às andanças os corações de uma só aurícula, as nadadeiras, as escamas.
Deixo o aquário desaparecer durante o rio e mar, andamentos que me levam ao fundo do ar.
Só eu e os peixes. Eu soltando suores. Os peixes pingando sangue. Nas calçadas o vermelho se mistura às poeiras barracentas formando pegadas sobre as fadigas dos amores.
Há no ar uma fatalidade absolutamente muda.

domingo, 29 de novembro de 2009

DANÇARINO NA FOTO


Play!
Coloco o disco de mambo no aparelho de som. Dançante manhã no domingo de estrelas de sol no chão da sala com cheiro de alecrim. A dança e a música se prolongam durante o banho das águas mornas.
Pause!
Chaves na porta. Saio vestindo a camisa de cambraia. No ponto de ônibus fico de frente para o inusitado fotógrafo que surge nem sei se de muito perto ou se de muito longe. A foto vem com sorriso de supermercado. O fotógrafo muito fino, alinhado, de terno, paletó e gravata, bigodes, cabelos curtos com brilhantina afasta-se. Entra no ônibus que desce.
Stop!
E eu, dançarino mambembe, entro no ônibus que sobe.

sábado, 28 de novembro de 2009

ALMOÇO NA REPÚBLICA SUBMERGIDA


Em tropeços nas outras formas lanço, nas ruas molhadas, a vontade de almoçar à embarcação a pique nos náufragos.
Revistas vagabundas, plastificadas, semiusadas, fotos caseiras de sexo passam de mão em mão. Os mendigos soletram torpezas às colorações dos republicanos.
Abraço a televisão diante da mesa do restaurante Salada Record. Entro sem proteção, sem o intuito de me esconder das tempestades. Sinto que meus olhos estão trópicos, turvos, tortos, trêmulos quando mastigo o peixe. Movimentam-se com os sons do peixe e do sangue, dos talheres e dos dentes, dos pratos e dos costumes da televisão.
Sacio a fome sem escrever nada.
Da metade do tempo até o final do almoço nada se sucede além dos anúncios do óbvio. Peço a conta. O valor é pago.
Ao me encontrar com o adiantado do dia acontece o início do que não escrevi, não comi, não paguei.
Vejo o ofício de aprender: a boca carnuda e translúcida de uma mulher esparramada nos assentos de um Mercedez-Benz, cor de submarino, convida-me a entrar no cine Marabá.
Dessa vez sem tropeços, em louvações de outras formas...

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

DENTINHO


Pessoas surgem em todos os lugares, lados, sentidos. Passam nos nossos olhares sem nenhuma pergunta, sem história, sem inícios.
Quando me sinto atraído por uma pessoa que passa, o movimento veloz não se segura em minhas mãos de uma hora para outra.
É mais ou menos assim quando, na repetição dos pré-amanhecimentos ao sair do apartamento para os textos, a vejo pela primeira vez: eu desço a rua pelo lado direito. A moça de dentes salientes sobe a rua pelo lado esquerdo. Chamo-a em silêncio de Dentinho. Não lhe pergunto o nome. Faltam-me a coragem e a pureza próprias das águas das selvas.
Hoje o encontro acontece fora do manto lunar ao retornar dos textos sob a luz solar. Subo a rua pela calçada esquerda. Amorenada, Dentinho desce a rua pela calçada direita.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

VAZANTE


Um livro sem palavras vira um caderno sem linhas impressas. A vida se esvai como um rio seco, panela rasa com água e detergente que, ao ferver esquecida, evapora a espuma criada.
Passa a vida entre os dedos. Não há controle, domínio. Mãos perplexas diante da ilusão, dos vazamentos do tempo em busca do nada.
O corpo se oxida. Flores são jogadas fora. Fogem na correnteza esmaecida do rio. Instalam-se nos ossos dos mortos, arquétipos de tijolos, inspirações aos jardins de uma outra vida.
E a vida se multiplica em outros tempos metidos em outros corpos. A água retorna às nuvens, que fornecem sombras aos campos e às cidades. As mãos seguram com ímpeto a força das correntezas futuras dos rios.
Panelas fundas, com ideias e cores, fazem com o fogo as cozeduras dos frutos e pães colhidos nas palavras sempre lembradas de um livro: o amor não se finda.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

30 NOITES


A nova geladeira é excelente. Sem ciências ocultas gela as cervejas em questão de 30 minutos bastantes.
Sob o sol os dias de horário de verão e as noites quentes propiciam ao desejo de beber cervejas a realização verdadeira de algumas horas onde a cidade e as palavras se encontram em solstícios e equinócios. A promessa está feita.
Resta-me, por enquanto, o banho de chuveiro.
Coloco a roupa de veranista. Mais 30 minutos decorridos. A primeira cerveja é retirada da geladeira.
A chama do fogão cozinha o feijão com urucum.
Tudo passa tão rápido que o ontem parece o século passado. E o amanhã acorda de ressaca. A segunda cerveja... A terceira cerveja...
O feijão fica pronto no momento em que percebo que faltam 30 noites para a chegada do dia de Natal.
A quarta cerveja... A quinta cerveja... A sexta cerveja...
Outras cervejas, diversas conversas, distantes e próximos amores me fazem companhia na carne viva da madrugada.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

PLUFT!! PLAFT!!


De uma hora para a outra, de um dia para o outro, esqueço como se anda de bicicleta.
O esquecimento dura cinco dias.
Uma bicicleta, conduzida por um ciclista de boné, passa à minha frente em alta velocidade. Fito as rodas, os pneus se tatuam no cérebro. E pluft!!
Depois, nos cinco dias subsequentes, permaneço sem saber me equilibrar em bicicletas. Passo os dias me fazendo perguntas, a andar para lá, para cá.
Nestas andanças, no quarto dia, encontro colado em um poste de iluminação pública um anúncio convocatório: curso de memorização. Minha memória não está ruim. Lembro-me de detalhes íntimos do passado. Mas é a bicicleta reaparecer e eu não sei mais me lembrar, não sei o que fazer. Telefono para o curso. Faço a matrícula.
No quinto dia de esquecimento vou à primeira aula. Longa aula onde aprendo a criar compartimentos na memória para arquivar informações de forma ordenada. Desenvolvo habilidades para números, datas, textos, nomes.
Depois, rápido, pego a minha bicicleta. Levo-a à borracharia para encher com ar os pneus. Calibre total, pano úmido no guidão, poeiras zeradas.
Um brilho fascinante senta-me no selim. E plaft!!

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

CIDADE DOS NÓS


Os ponteiros, independentes do tamanho diametral dos relógios, não saem fora dos tempos e atrasam-se, adiantam-se, quebram os mecanismos.
Ficamos nos ônibus a segurar o Bilhete Único, sentados em poltronas de reduzidas dimensões.
A cidade dos textos se aperta dentro dos sonhos. Produz as lógicas, os tédios, as sobrevivências e o cáos nosso de todos os dias. As extensibilidades, as longuidões são desejos nos espaços.
Acontece então em dia curto, pequeno, rápido: chego bem cedo aos textos. Aciono o computador. Navego em sites sobre macacos, símios. Sinto o peito se contrair. Deflagro risadas que se alastram nos vasos sanguíneos, corredores restringidos, e misturam-se à cidade.
Quando o ar acaba diluem-se as risadas, contraem-me mandos e comandos. Percebo a amostra grátis das macaquices incutida no centro da cidade dos nós, nos tempos.

PIANO DE AVENIDA


Ao me aproximar das catracas lembro-me do esquecimento. Os óculos ausentes me fazem retornar aos textos no domingo. Pego o objeto procurado na primeira gaveta da mesa. Retiro-me dos textos.
A rua ensolarada, quente em demasia, leva-me em travessias arriscadas. Ando na calçada da avenida. Testa e nuca suadas aceleram os desejos aquáticos.
De A a Z coleto no pensamento as minhas realizações. Nos instantes finais da coleta, cabeça adentro, um carro em alta velocidade faz manobras perigosas. Com uma fechada a Kombi veloz ocasiona uma freada súbita e brusca do caminhão-baú. Assim a porta traseira do caminhão se abre.
Um piano de calda voa do caminhão. Aterrissa na avenida. Fica lá, teclados à mostra, e a multidão se formando...
Tiro e uso os óculos do estojo para ler as partituras esvoaçantes, que com o acontecido chegam com o vento às minhas mãos.

sábado, 21 de novembro de 2009

6 MINUTOS


6 minutos faltam para que aconteçam caras viradas na cidade dos textos.
No 1º minuto do tempo a claridade do sol esbranquiça a tela do monitor. O computador não esconde os erros gramaticais e ortográficos no site de um homem procurado.
Mais 60 segundos de olimpíadas repassadas nos hinos nacionais como se as vitórias fossem de Esparta e as emoções de Atenas.
Unidade do ângulo é o 3º minuto em silêncio na mente da certeza de derrotas embrionárias.
Breves estações no 4º minuto combinam letras sem idiomas. Nascem axiomas ocos na vida chamuscada das palavras perdidas.
Próximos os infernos no 5º minuto violento a maltratar os ardores e os néons das paixões. Passos nas cavernas trogloditas rabiscam no deserto o crescimento consumista do mercado humano.
O diminuto epílogo respira o início.
As caras viradas da cidade dos textos se movem nas patas dos cães e das cadelas. Os animais chutam os prédios feito exímios lutadores de artes marciais. As pessoas se viram. Olham os corredores, vãos, ruas dilapidadas. Buscam no tempo algo que as alegrem.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

VARIZES DA SUPERFÍCIE


Laços que eu carrego quando ando. Sentinela sinto-me entrelaçado à estética do lugar enluarado.
O que me alegra são os burburinhos tenazes e sagazes provocados por pessoas que se movimentam repletas de sexo, desconhecimento e solidão.
Vou aos telefones públicos. Releio as mensagens escritas em papéis pequenos colados nos aparelhos em estado miserável de conservação, putrefatos. São as prostitutas vendendo o peixe, informando os endereços telefônicos e as verdades especializadas em mentiras das varizes da superfície.
O que me entristece são as infelicidades dos riscos que ficam grudados nas possibilidades das vidas.
Vínculos que se desatam longe de todas as forças. O sentinela se transforma em vigia.
Navego sobre o caminho do retorno.
Em barco de pescador chego ao apartamento aos poucos, antes de findar a longa novela do destino.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O CHAMADO


Sim. O telefone soa sobre a mesa das horas. Atendo-o displicente. Sons de telefones não são as melhores vistas dos meus pontos das coisas.
- Alô?! Fala! Fala ô...
É Marc, o baterista. Conversamos. Pede-me para ir buscá-lo na escola especializada em ensino avançado das articulações entre bombos, pratos, caixas, vassourinhas e outros instrumentos de percussão. Confirmo o horário.
Às 17h20 estamos juntos mais uma vez. Com as baquetas nas mãos, o batera quer conhecer o meu home theater, quem sabe assistir a um bom filme.
Passamos na locadora. Optamos em terror. O filme escolhido O Chamado me faz chamar invocações transitivas diretas terríveis.
Arrumamos, lépidos, a sala do apartamento, que transformada em Cine Chão, entra no vídeo, no áudio dos nossos horrores amorosos.
Ao término do filme marcamos para em breve outra sessão de terror. Dentro do elevador selamos o compromisso com um aperto de mãos.
Depois que Marc vira a esquina tomo o rumo das perambulações pela cidade dos textos.
Bem mais tarde da noite quando retorno ao apartamento, o telefone fica calado, mudo como o povo diz. O silêncio me chama a uma música. Desejo Marina Lima.
Primeiro ouço, faixa 11, Nightie Night. Abro uma cerveja.
A agulha moderna de cabeça laser faz o tempo tocar O Chamado, faixa 3, continuamente.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

NOME DO DESTINO


Depois do almoço não durmo.
Na maioria das vezes não me dou com sobremesas.
Silêncios andam na cidade, textos dentro do país.
Quando vem a noite busco sons.
Na maioria das vezes não me dou com tiros silenciosos.
O calor me faz usar bermuda, camiseta, vermelho e branco.
Passos doces e furto da sombra o número de identificação, placa no trânsito.
Antes sigo a sequência de silêncios e ações. Forço as portas dos sentimentos arrebentando sem uso de aparelhos, a respiração da memória. Depois deito-me nos pensamentos voadores. Feito um califa zanzo nos arredores do por aí...
Em seguida retiro da boca a língua, da língua a garganta.
Lento e corajoso atravesso as ruas sem direção nenhuma. Escuto passos a me seguir.
A cumplicidade aumenta o risco, o prazer do furto sem lágrimas ou risos.
Eu e a sombra entramos em um Voyage, táxi. Sussurro no ouvido do motorista o nome do destino.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

ALMOÇO DO LANCE LIVRE


Com passos decididos entro no restaurante Salada Record.
Não sinto o que me experimentava em outras tardes nas quais, invisível, eu ficava à espera do peixe e dos legumes.
Um casal, em uma mesa próxima, almoça com animações e safadezas. Ele, de paletó e gravata e bigodinhos, sucumbe-se às comidas e à acompanhante. Ela, morenaça alta, vestido curto, pernas cruzadas sob a mesa, fala e bebe de forma alvissareira.
Continuo a mastigar o pão, a derramar o azeite na manteiga. À espreita, aguardo o momento súbito, insofismável. A mulher descruzará as pernas a qualquer momento. Verei a floresta, o mar, a onda.
Puxo-me para a esquerda, direita. Estéreis esforços porque parte de uma toalha está caída sobre outra mesa mais próxima à mesa do casal, já em processo de triunfos, e tampa-me a visão das pernas morenas se descruzando.
Eu cego diante do peixe e dos legumes à alho e óleo apalpo o almoço sem saciar a fome obscena.
Após pagar a conta atravesso com passos indecisos o salão dos amantes.
Visível vou para fora da avenida São João.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

PASSAGEM


Descubro a passagem.
Feito uma fita indiática, que entra no nariz e sai na boca, abaixo-me e reapareço no alto de um morro verdejante onde as nuvens carregadas de água e sol fornecem uma vista fascinante.
Movo-me para dentro da casa. Simples, afetuosa e lavradia a residência me acolhe. Os cheiros das flores e dos temperos culinários inundam-me de perseveranças. É quando começa a chover.
A chuva traz a janela. Ao abri-la constato a presença de pessoas. Umas caladas, outras falantes, sorridentes. Algumas clarividentes, musicais, dedos nos anéis. No centro da sala pessoas se divertem em mesas, bolas, caçapas e tacos. Ninguém é absolutamente secreto. Bebem cerveja. Comem os frutos das terras que se estendem no panorama.
Das saladas me avivo de tomates. No arroz gravo sentimentos nos grãos. Ao pão de alho dedico poema à vera.
A chuva apalpa o corpo da terra e protege os mergulhos no sol.

domingo, 15 de novembro de 2009

TAMPICO VERMELHO


Andarilho sobre os andores feito imagens de procissões urbanas passo nas 1001 noites de Xangô, raios e fogos, e em concessionárias de automóveis. Sem dinheiro e domingo namoro os carros em exposição.
Meus desejos custam caro. Não sei dirigir. Também não gosto de beber café. Meus sinais são de pedestre engarrafado. Prefiro beber cerveja, leite desnatado, suco de laranja com pedras de gelo, água mineral com gás. Ainda fico vermelho quando a cidade dos textos se escancara à minha timidez.
Encosto a mão na cor do carro predileto como se eu fosse imaginador exato. Compro Tampico na outra mão do ambulante sob o sol.
O trânsito paralisa-se sobre os andores.
Nada sei sobre motores, retíficas, funilarias, lanternagens, pinturas, socorros.
Algo terrível acontece lá na frente!